Antes só havia Bitcoin…uma moeda virtual, libertária, que prometia acabar com o atual sistema financeiro. Começou meio escondida, circulando apenas no meio nerd (a primeira compra de Bitcoin conhecida ocorreu em 2010, quando o hacker Laszlo Hanyecz comprou duas pizzas no Papa John’s com 10.000 Bitcoins), até que por volta de 2015 os bancos a descobriram. Mas, ao estudar o Bitcoin, viu-se que havia algo muito maior por trás dele, a tecnologia Blockchain. Os bancos, que antes olhavam Bitcoin com desconfiança, viram uma oportunidade de redução de custos, uma vez que Blockchain permite transações financeiras sem intermediários para validá-las.
Um dos usos propostos pelos bancos para Blockchain é a compensação e a liquidação de transações de valores mobiliários, atualmente uma complexa rede de corretores, bancos de custódia, agentes transferidores de ações, reguladores e depositários. Uma única transferência pode demandar uma dúzia de transações intermediárias e levar até três dias. E 20% delas, mais ou menos, geram erros que devem ser corrigidos manualmente.
Com Blockchain, duas partes que querem transacionar podem ler e gravar em um banco de dados comum, confiável e sem erros. A transação pode ser escrita em linguagem jurídica, bem como em código de computador (smart contract), de modo que a troca de dados em si embute a sua própria garantia. Pode ser visível apenas para os reguladores, mas não para outras instituições. Aliás, este é o conceito por trás do Corda, um protocolo Blockchain desenvolvido pelo consórcio R3 CEV. Se propõe a eliminar erros bilaterais e se pretende que seja mais barato do que modernizar os atuais sistemas legados.
Alguns bancos centrais, como o da China e o da Inglaterra, enxergam Blockchain como um mecanismo não apenas para simplificar e reduzir os custos das operações financeiras, mas também reduzir fraudes e rastrear transações.
Mas, isso não é tudo. No estudo “The future of financial infrastructure: An ambitious look at how blockchain can reshape financial services”, o Fórum Econômico Mundial aponta que, indiscutivelmente, Blockchain já está nos corações e mentes do sistema financeiro. O estudo mostra alguns números instigantes, como o de que pelo menos 80% dos bancos mundiais pretendia iniciar algum projeto de experimentação de Blockchain em 2017 e mais de 90 bancos centrais já estariam envolvidos em debates sobre a tecnologia e seus impactos.
Mas a importância do estudo é que ele não fica restrito aos limites dos processos tradicionais dos bancos, tentando aplicar Blockchain a eles, visando apenas simplificar as operações, mas adota uma visão bottom-up, ou seja, questiona a ortodoxia do sistema atual e reimagina como poderia ser o sistema financeiro baseado em Blockchain.
Claro que ainda existe um longo caminho a percorrer. Temos ainda um conjunto de tecnologias que precisa amadurecer, dificuldades dos bancos em integrar Blockchain a muitos dos atuais sistemas legados, a falta de capacitação nas suas equipes, a carência de formação na academia e a falta de uma regulação que entenda e absorva o poder disruptivo da tecnologia e por aí vai.
Imaginemos a Internet em 1997. Alguém, naquela época a imaginaria como hoje, com tecnologias como o smartphone permitindo que ela estivesse no nosso bolso e fizéssemos praticamente tudo, de uma transação financeira a um check-in de voo, da busca de um melhor trajeto a localizar qualquer informação que esteja disponível em qualquer lugar do mundo?
Blockchain não será, é claro, a única solução para os bancos. Muita coisa continuará fora dele. Mas, os bancos depois do Blockchain serão diferentes.
Vamos olhar o cenário atual. Os sistemas core dos bancos, os legados, são sistemas robustos, construídos para serem confiáveis e, portanto, muito reativos a inovações. Um sistema legado é um campo árido e inóspito para inovações.
Existem processos e mais processos em torno deles, criando uma camada segura, mas indiscutivelmente muito complexa e custosa, além, é claro, de pouco amigável para os clientes. Muitas das iniciativas de banco digital dos bancos atuais são restritas à periferia, mantendo toda a complexidade atual por trás do app que o usuário tem no seu smartphone. Mas, e se Blockchain puder mudar o processo? Se permitir uma transação financeira de forma segura sem envolver tantos intermediários e camadas de segurança? Os processos core podem ser simplificados e até substituídos por novos. Isso seria uma verdadeira mudança no perfil e estrutura organizacional dos atuais bancos. Permitiria serem muito mais leves, sem o imenso e caro back-office necessário para manterem suas operações atuais.
Uma mudança radical nesses processos embute um potencial de transformação muito grande. Por exemplo, os bancos utilizam mainframes para garantir um ambiente seguro e de alto volume de transações. Fundamental no atual modelo. Mas, se sairmos do modelo centralizado para o descentralizado, onde o processamento das transações ocorreria em milhares de máquinas distribuídas, o papel do mainframe atual perderia relevância. Aliás, uma implementação do Blockchain, a Ethereum, já pode ser considerado o “novo mainframe”.
Para além do bancos, Blockchain pode afetar muitos outros negócios. Por exemplo, a leitura do artigo “Wal-Mart Tackles Food Safety With Trial of Blockchain” mostra que até o varejo pode aplicar essa tecnologia. No caso do Wal-Mart a proposta é a necessidade de rastrear alimentos. O objetivo é que a embalagem de cada produto contenha um código único, registrado via Blockchain, com informações sobre fornecedores e detalhes sobre sua produção. Esse código ficará registrado na nota física e, caso o consumidor tenha algum problema ocasionado por aquele produto, o Wal-Mart conseguirá rapidamente identificar tudo sobre ele.
Com este potencial de aplicabilidade, é recomendado que os executivos das organizações, sejam de finanças ou de outros setores, comecem realmente a pensar mais seriamente em Blockchain.
Questione:
1) Que aspectos da minha organização será vulnerável a desintermediação e qual a probabilidade de isso acontecer? Lembre-se que a tecnologia é potencialmente disruptiva para todos os intermediários. A probabilidade de disrupção é proporcional ao custo, à complexidade e ao grau de duplicação das transações no atual sistema de intermediação.
2) Como reimaginar meu negócio à luz do potencial de mudanças provocadas pela desintermediação e como e quando iniciar a mudança, antes que alguém a faça antes?
3) Onde poderei aplicar blockchain como vantagem competitiva e com ele oferecer novos serviços e até novos modelos de negócio?
4) Faz sentido desenvolver iniciativas de blockchain sozinho ou será necessário o desenvolvimento colaborativo, em larga escala? Com quem deverei colaborar e como criar esses mecanismos de colaboração?
Algumas premissas devem definir as estratégias de aplicação de Blockchain pelas organizações. Primeiro, Blockchain é muito mais sobre colaboração do que competição. Implementar Blockchain sozinho dificilmente será compensador. Setores fragmentados, com desconfianças mútuas e custos altos de transação entre si, são alvos preferenciais de aplicação da tecnologia. Um exemplo: o setor de healthcare.
Por outro lado, quanto maior a extensão de um Blockchain e quanto mais heterogêneos forem os seus participantes, mais complexo será o desafio de definir uma estratégia comum. Em Blockchains “consorciados”, o gerenciamento do consórcio entre membros, que atualmente competem entre si, será um fator crítico.
Segundo, e uma questão ainda em aberto, é se o futuro será dos Blockchains abertos ou dos consorciados. Mais ou menos como a discussão sobre clouds públicas e privadas. Blockchains abertos tem a vantagem da escala (mais nós, mais validação), mas os “permissioned” dispensam determinadas funcionalidades como “proof-of-work” e, portanto, tem escalabilidade melhor.
Uma terceira premissa é o papel do governo, como agente regulador. Não temos ainda posições claramente definidas em nenhum governo do mundo. Alguns são mais abertos e ágeis, enquanto outros são mais lentos e conservadores. Entretanto, como blockchain facilita auditoria e reduz fraudes e corrupção, é provável que haja uma tendência da maioria dos governos em entender e inserir a tecnologia em seu aparato regulatório.
E, por último, a incerteza ainda predomina. Existem muitas experimentações, muitos indicadores da aplicabilidade de Blockchain, mas ainda não temos casos de uso concretos, em larga escala.
Existem diversas implementações de Blockchain, todas cercadas de dúvidas em relação ao seu futuro.
Portanto, na sua estratégia não se esqueça de perguntar “Quem paga pelo Blockchain?”. Sua implementação é suportada por um ecossistema estável e apto para aplicações de missão crítica? Compreender claramente os incentivos e os fatores econômicos por trás de cada opção de Blockchain pode poupar muitos problemas futuros, de escolhas erradas.
Cada empresa deve definir sua estratégia. Não existe uma resposta única. Mas, ignorar o assunto Blockchain é a única estratégia que não dará certo!
https://cio.com.br/4-premissas-para-o-uso-de-blockchain/