No início do isolamento social, criou-se uma expectativa de que o confinamento poderia diminuir a desigualdade entre homens e mulheres na indústria tecnológica ao, supostamente, nivelar as condições de planejamento social e familiar. Porém, preconceitos enraizados sobre disponibilidade de carreira e longevidade dificultam este avanço.

De certa maneira, as novas estruturas de trabalho trouxeram melhorias para as mulheres no setor. No estudo realizado pela Kaspersky, boa parcela das profissionais brasileiras reforçaram a preferência pela casa em relação ao escritório (42,6%). Além de eficiência, o sistema de home office também oferece maior autonomia, segundo quase 45% das entrevistadas.

Porém, os resultados mais preocupantes mostram que trabalhar em casa não está tendo o impacto desejado no avanço social. Quase metade (46%) das brasileiras afirma que, desde março do ano passado, tem lutado para combinar trabalho e vida familiar, proporção que segue uma tendência global. Entre as funções cotidianas que estariam prejudicando a produtividade ou o avanço na carreira dessas mulheres, 67,6% alegaram ter feito a maior parte da faxina doméstica, em comparação a 47,6% dos homens.

Cerca de oito em cada dez brasileiras (78%) disseram ser responsáveis ​​pela educação domiciliar, enquanto 56% dos homens responderam o mesmo. Para cuidar da família, quase metade (46%) das mulheres afirmou ter feito mais ajustes à jornada de trabalho do que o seu parceiro. Como resultado, 40,4% das brasileiras entrevistadas acreditam que os efeitos da Covid-19, ao invés de melhorar, atrasaram seu crescimento profissional.

“Entre as mulheres, a pandemia teve efeitos diferentes: algumas reconheceram que, por não ter que se descolar para o trabalho, conseguiram maior flexibilidade em seus horários e economia de tempo, enquanto outras confessaram estar à beira da exaustão. Por isso, é crucial que as empresas garantam que seus gestores estejam alinhados com a estratégia corporativa para apoiar os funcionários no cumprimento de suas responsabilidades familiares”, salienta a Dra. Patricia Gestoso, diretora de suporte científico ao cliente da BIOVIA, vencedora do 2020 Women in Software Changemakers e membro proeminente da rede de mulheres profissionais Ada’s Lista.

“Outra tendência importante da pandemia é conciliar a existência simultânea de trabalhadores remotos e híbridos (quem combina o home office com o escritório) em uma mesma organização. Isso representa um desafio para mulheres que trabalham remotamente, já que podem ter menos acesso à diretoria que está no escritório. Isto pode diminuir suas chances de ser consideradas para projetos e responsabilidades que levam a promoções. Os empregadores precisam ter consciência dessas desvantagens e considerá-las em suas estratégias a fim de minimizar essa diferença”, alerta Patricia.

Embora não sejam exclusivos da indústria tecnológica, esses exemplos de disparidade apontam para uma barreira que impede as mulheres no Brasil e no mundo de tirarem proveito da mudança para o home office. Quase metade (48%) das brasileiras no setor (em comparação com 37% dos homens) acredita que um ambiente de trabalho igual seria o melhor para o seu avanço na carreira. Proporção semelhante (48%, contra 30,4% dos homens) pensa que o trabalho de casa é uma forma de alcançar essa igualdade.

Para Merici Vinton, cofundadora e CEO da Ada’s List, o setor de tecnologia deve agora manter sua própria motivação. “As empresas precisam sinalizar, tanto por meio da cultura quanto com políticas, que darão às mães e aos pais a flexibilidade de que precisam durante e depois da pandemia. As empresas devem entender que a representação feminina é importante, e ter mulheres na liderança, equipes majoritárias de mulheres e mulheres participando das entrevistas, tudo isso mostra que há espaço para elas em sua empresa. Finalmente, vemos que muitas companhias de sucesso fazem parceria com organizações de mulheres que podem desafiar, impulsionar e também fornecer inspiração externa para os funcionários da empresa”, comenta.

Já Daniela Dias, diretora de marketing da Kaspersky no Brasil, acrescenta: “Eu acredito que você precisa de paixão para ser um líder em tecnologia, e, para entendê-la, você não precisa ser um desenvolvedor ou codificador. A educação é sempre a melhor maneira de mudar as percepções equivocadas, mas a tecnologia ou a cibersegurança cibernética deveriam ser mencionadas como opções de carreira nas escolas. Por isso valorizo iniciativas como o Women Who Code (WWCode) e o Womcy (Women in Cybersecurity), que estão presentes na América Latina, e buscam minimizar a lacuna de conhecimento e aumentar as opções de talentos na nossa área. Estou muito otimista na criação de uma força de trabalho mais diversificada e inclusiva, pois nossa última pesquisa mostra este progresso.”

Metodologia

A Kaspersky encarregou a Arlington Research de realizar pesquisas entre homens e mulheres que trabalham em tecnologia ou funções de TI. As entrevistas foram realizadas de novembro a dezembro de 2020, com 13 mil respondentes de 19 países, sendo 500 deles do Brasil.

O estudo explorou as percepções das pessoas sobre as diferenças de gênero dentro da indústria, as barreiras para uma carreira em tecnologia e TI entre ambos os sexos, o que motivou homens e mulheres a desenvolver uma carreira nessas indústrias e o impacto da pandemia da Covid-19.

A íntegra do relatório: “Mulheres em Tecnologia: Onde estamos? Compreendendo a evolução feminina no setor” está disponível neste link (conteúdo em inglês).