A falta de uma legislação que oriente o funcionamento de empresas multinacionais responsáveis por aplicativos de serviços digitais que funcionem no Brasil, mas sem um estabelecimento fixo, como o Telegram, pode levar a Justiça a dar decisões que extrapolam limites para impor que suas determinações sejam cumpridas. O aplicativo de mensagens russo foi obrigado a cumprir exigências do Supremo Tribunal Federal (STF), incluindo o bloqueio de canais acusados de disseminação de discurso de ódio, para poder continuar funcionando no País. Essa não é a primeira vez que a Justiça determina o bloqueio de plataformas – basta lembrar do caso das decisões judiciais que mandaram suspender o aplicativo WhatsApp.
“A ausência de uma legislação que enderece situações como a do Telegram, que atua no mercado brasileiro, mas sem contar com um estabelecimento ou subsidiária no Brasil, pode dar espaço para que o Judiciário busque formas no mínimo ‘criativas’ de fazer valer suas determinações. Vamos continuar observando esses confrontos enquanto não houver uma grande discussão, com muito diálogo e trocas de informação, envolvendo todas as partes, tais como empresas, Poder Público e sociedade, para que possamos estabelecer normas claras e equilibradas que enfrentem efetivamente problemas atuais como a desinformação, e estabeleçam critérios quanto à obrigatoriedade de representação no país dessas empresas que acessam o mercado consumidor brasileiro e que, por isso, devem cumprir integralmente a legislação nacional”, explicou o professor de direito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), Rodolfo Tamanaha.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou, no dia 18 de março, após pedido da Polícia Federal, o bloqueio do Telegram no Brasil, devido especialmente ao fato de o mensageiro não ter cumprido ordens judiciais que eram relacionadas à desinformação. De acordo com o voto do Ministro na ação, “o aplicativo Telegram é notoriamente conhecido por sua postura de não cooperar com autoridades judiciais e policiais de diversos países, inclusive colocando essa atitude não colaborativa como uma vantagem em relação a outros aplicativos de comunicação, o que o torna um terreno livre para proliferação de diversos conteúdos, inclusive com repercussão na área criminal.”
“Foi uma falta de compromisso da empresa. O ministro Barroso, enquanto presidente do TSE, tentou inúmeras vezes o contato com os responsáveis pelo aplicativo russo e, de certa forma, a Justiça tentou resolver a questão sem muitos danos. Mas, diante dos fatos colocados, era inevitável que chegássemos a este ponto. E mesmo que as sanções determinadas pelo STF possam ter, de fato, ultrapassado os limites que a legislação estabelece, é difícil pensar em muitas alternativas para fazer cumprir as decisões judiciais. Isso é o efeito direto da ausência de um marco regulatório que estabeleça alguma medida intermediária. Por isso, é preciso mais compromisso das empresas, do governo e da sociedade para que isso não atinja, eventualmente, pilares democráticos”, acrescentou o docente.
Porém, no sábado, 19 de março, o ministro revogou o bloqueio após ter ciência de que o aplicativo se recuperou e cumpriu parte das ações, atendendo a todas as solicitações após 24h. Entre elas a indicação, em Juízo, da representação oficial no Brasil (pessoa física ou jurídica); e a informação imediata das providências adotadas para o combate à desinformação e à divulgação de notícias fraudulentas, incluindo os termos de uso e as punições previstas para os usuários que incorrerem nas mencionadas condutas.
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