Conhecida por ter um dos maiores índices de desenvolvimento humano (IDH) do planeta, a Dinamarca passou a acumular em 2020 o posto de líder global no ranking das Nações Unidas que avalia os governos com maiores índices de digitalização no serviço público, galgando nove posições em relação à sondagem realizada dois anos antes.

O avanço é resultado dos esforços do governo para manter a eficiência e a gratuidade do invejável sistema de bem-estar social do país escandinavo num contexto de crescente pressão orçamentária. Isso porque a Dinamarca está longe de ser uma das grandes economias globais e sua diminuta população de 5,8 milhões de habitantes está cada vez mais velha, longeva, menos produtiva e mais dependente da saúde e previdência públicas.

Há, portanto, uma clara consciência no país de que os 800 mil servidores públicos precisam ter ferramentas para fazer mais pela população, e o caminho escolhido foi investir massivamente em tecnologia para multiplicar a produtividade. A revolução digital dinamarquesa vem ocorrendo desde os anos 1970, quando os municípios do país começaram a criar consórcios para desenvolver soluções de TI que pudessem ser usadas em qualquer cidade como ferramentas de gestão pública.

Esses sistemas, alguns deles ainda hoje em funcionamento, ou já modernizados e integrados a sistemas mais recentes, permitiram a melhor gestão dos serviços de saúde, segurança, educação e previdência e, curiosamente, favoreceram o enxugamento do estado dinamarquês. No início da digitalização, o país tinha 237 municípios. Hoje, esse número é de 65.

Cerca de 20 anos atrás, a Dinamarca deu outro passo importante na digitalização, com a criação da primeira estratégia nacional para este fim. Com o marco, foram criados os primeiros sistemas de homologação de assinaturas digitais, de pagamentos eletrônicos de tributos estatais e uma plataforma na qual cada cidadão acessa na integralidade e atualiza os dados que o estado possui a seu respeito.

Em 2016, no entanto, veio o passo decisivo. O governo dinamarquês, estimulado pelo Ministério das Finanças, que tem grande influência sobre o orçamento estatal, conseguiu aprovar uma lei que determina a oferta de serviços públicos digitais à população, priorizando, por exemplo, o envio de e-mails a correspondências e o atendimento remoto em detrimento do presencial, garantindo o direito ao serviço analógico a quem preferi-lo.

Em um painel no evento digital NEC Visionary Week, promovido pela multinacional japonesa, Rikke Zeberg, diretora-geral da agência dinamarquesa de digitalização, explica que a ampla digitalização do setor público na Dinamarca pode ser creditada à cooperação em todas as esferas de governo. “As estratégias, os objetivos e as visões são estabelecidos conjuntamente. Também temos uma cooperação muito próxima com o setor privado”, avalia a executiva, que conduz o mais avançado projeto de estado digital do mundo com um orçamento de apenas US﹩ 57 milhões.

Em sua fala no NEC Visionary Week, a diretora ressaltou ainda a importância da instituição de formatos padronizados para a troca de informações que fossem compatíveis com diferentes tecnologias.

Ao exigir somente um formato comum, pessoas, empresas, bancos, governo e outros agentes da sociedade puderam escolher as tecnologias de sua preferência, estimulando a adesão ao processo digital e sua aceitação em maior escala. Outro ponto crucial foi o esforço em criar confiança junto à população sobre o uso dos dados pelo estado.

“A ampla adesão só foi possível porque pessoas e empresas confiam que o governo vai tratar de forma adequada seus dados”, ressaltou no evento Eva Berneke, CEO da KMD, empresa originalmente dinamarquesa hoje controlada pela NEC, que participou das primeiras iniciativas municipais de digitalização ainda nos anos 1970.

Mesmo num país com cinco décadas de experiência digital no setor público, altamente escolarizado e com um dos governos mais respeitados do mundo, reforçar junto à população a confiança de que seus dados serão protegidos e utilizados sob propósitos lícitos se mostrou uma necessidade contínua e um trabalho de vida toda.

Na pandemia de covid-19, o sistema de saúde nacional dinamarquês criou um aplicativo para ajudar no trabalho de localizar e isolar os infectados pelo novo coronavírus (contact tracing), que é uma das medidas mais efetivas segundo a Organização Mundial de Saúde para conter a doença.

O nome do aplicativo, Covid Tracing, causou controvérsia ao sugerir que o governo estaria monitorando a localização de cada cidadão. “Muita gente ficou desconfortável com o fato de as autoridades terem esse tipo de informação. Tivemos trabalho para explicar que os dados são usados de forma a respeitar a privacidade e que seriam importantes no combate à pandemia”, lembrou Zeberg sobre o caso.